Aquele casal de meia-idade dormia, alheios a tudo: um roncava para um lado, o outro roncava para o outro.
No outro quarto o filho dorme. Levanta-se, sai do seu quarto e se dirige ao banheiro. Olha no espelho e se assusta com o que vê: os cabelos estão grisalhos e começam a rarear, ainda ontem eles eram negros e em abundância. O rosto já deixa transparecer algumas rugas. Não faz muitas horas era lindo e admirado. Agora parece mais um “maracujá de gaveta”.
Começa a suar, passa a toalha no espelho, porém não adianta, a imagem ali refletida teima em apresentar um senhor de meia-idade.
O dia começa. Ele faz uma vitamina de banana com mamão e leite, bebe-a e vai fazer a sua caminhada diária. É na velhice que as contas dos excessos são cobradas: as cervejas, as noitadas, as extravagâncias em geral. Agora quase nada pode.
Já ia esquecendo: antes de sair acorda o filho “aborrecente”, que tem que ir para a escola.
Depois da caminhada, volta e encontra o rebento ainda dormindo, sacode o pimpolho, finalmente ele acorda. Entra no banheiro correndo, diz que está atrasado e que a culpa é do pai, que não o acordou na hora.
O pai, paciente, aguarda a sua vez para usufruir do mesmo banheiro.
Quando finalmente adentra no recinto, tem um choque: o local estava todo enfumaçado, o espelho todo embaçado, faça frio ou calor o filho só toma banho quente, parece até sócio da CERJ. O chão estava todo molhado, ele só se enxuga fora do box. A pia também toda molhada, quando a “criança” escovou os dentes, largou o tubo da pasta de dentes aberto e a sua escova abandonada fora do lugar. Usou o vaso, errou na pontaria, acertou a tábua, e como sempre acontece esqueceu de apertar “aquele” botão que fica na parede acima do sanitário.
O menino não havia recolocado a toalha no toalete, o pai foi olhar no quarto dele, lá estava: toalha molhada sobre a cama, cueca suja em cima da televisão, camisa limpa no chão, revista de mulher pelada na janela, calça suja na porta do guarda-roupa, várias meias espalhadas na mesa.
Uma verdadeira bagunça. Para completar, um cheiro horrível que vinha dos tênis, rotos e mendigos.
O pai fala com o filho:
– Ó rapaz, vai arrumar o seu quarto.
– Não tenho tempo.
Pega o jornal e vai deitar-se na cama dos pais.
– Menino, você não está atrasado para o colégio?
– Pai, você é um “saco”, eu tenho que saber das notícias.
O pai engole em seco. Meia hora depois:
– Filho, você esqueceu do colégio?
– Pai, você não me lembrou.
Ele se arruma e sai correndo.
O pai entra no seu quarto e lá está o jornal espalhado no chão.
A porta da sala se abre.
– Ó rapaz, por que você voltou?
– Pai “querido”, eu não posso perder a prova e se for de ônibus não vai “dar pé”.
Sem cerimônia, pega as chaves e os documentos do carro e sai.
Dois minutos depois retorna.
O pai pensa que ele, pelo menos, vai agradecer o empréstimo do veículo.
– O que houve, filho?
– Não tenho dinheiro para a gasolina.
Lá se vai a última nota de R$ 10,00.
O pai tem que “garimpar” as moedas para poder ir trabalhar, de ônibus…
Ele levanta-se, corre para o banheiro, olha no espelho e começa a sorrir, dá vivas, lembra-se de Deus e agradece.
– Que pesadelo! Eu sonhei que era o pai do meu pai.
Fica uma frase martelando na sua cabeça: “como é difícil ser pai”.
Entra no quarto, onde seus pais ainda dormem, alheios a tudo, beija efusivamente o seu pai e diz emocionado:
– Ainda bem que eu ainda sou o filho!
0 comentários