O Sorriso da Cremilda

por setembro/2012Crônicas0 Comentários

Dentadura

Foto: Jerry Wong

Quando eu comecei a trabalhar no Banco como contínuo, com dezesseis anos, o meu amigo Alfredo, que naquela época possuía uns trinta anos, já fazia parte do quadro de empregados da agência.

Alfredo tinha as suas peculiaridades, embora fosse contínuo como eu. Ele se vestia impecavelmente, sempre usando terno e gravata. Às vezes, ele era confundido com o gerente. Na realidade, Alfredo se vestia até melhor que o chefe.

Em toda história existe um quê que destoa. E o do meu amigo era o sorriso. Ele não possuía dentes, nem usava dentaduras.

Dizia, o Alfredo, que a primeira impressão é a que fica, por isso ele andava sempre bem arrumado. Ele afirmava sempre que “Um homem é um homem, não um bicho”.

Só que quando ele abria a boca era uma decepção, aí virava bicho.

Imaginem, queridos leitores, aquela “figura” toda “embonecada”, andando de bicicleta, dando um sorriso “vazio”. Ele não soltava nem o nó da gravata nessas ocasiões.

Mesmo com a “encarnação” dos colegas, que o chamavam de vários apelidos – boca murcha, banguela, riso deserto, sorriso invisível, boca fantasma etc -, ele não se pronunciava com respeito a uma “mobília” nova. A “casa” continuava “inabitada”.

Um belo dia, deu-se o milagre. Alfredo apareceu na agência com a sua “Cremilda” nova. Todos elogiaram o Alfredo: eram tapas nas costas, abraços e vivas ao novo visual.

No entanto, há coisas que destoam da compreensão da maioria dos seres que se dizem normais. Nem bem passou uma semana de inauguração da dentadura do Alfredo e ele voltou a fica com a boca murcha, mole, mole.

Indagado, Alfredo não criou nenhuma desculpa para justificar não estar usando a “Cremilda”, simplesmente disse que não ia usar uma coisa que o estava incomodando, só para agradar aos outros.

Não adiantou as explicações dadas pelo dentista, de que, no início, era assim mesmo e que ele devia chupar umas balas, para ir ajustando a dentadura na boca.

Qual o quê, o Alfredo não cedeu às opiniões de todos. Daquele dia em diante “aposentou” a linda dentadura. Voltou a ter a boca murcha.

Curioso, aproveitando um momento em que me encontrava às sós com o Alfredo, indaguei o fim da dentadura. Para minha surpresa ele sacou-a do bolso da calça, juntamente com um molhe de chaves.

Triste fim da “Cremilda”, o meu amigo Alfredo a transformou em chaveiro.

O primeiro e único “Chaveiro que Ri”

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Arquivos