O Suicida

por setembro/2013Crônicas0 Comentários

O domingo amanheceu lindo, como são os domingos de dezembro. O sol reinava no céu azul, com toda a sua existência, convidando a um banho de mar.

Ele acordou, deu bom dia ao astro rei e resolveu participar da alegria, que era aquele lindo dia.

Saiu da sua Covanca, bairro no qual morava, em São Gonçalo, com destino à praia de Icaraí, em Niterói.

Lá se foi ele andando a pé, “sem lenço e sem documento, nada no bolso ou na mão”. Ser vadio, amante da vida livre, cujo único senhor era seu coração.

Depois de caminhar algum tempo, algumas paradas embaixo de árvores e postes para respirar. Levou vários sustos dados por cachorros, quando passava em frente às casas dos bacanas.

Finalmente chegou à praia. O mar estava em conluio com o sol, pois ele se apresentava verdinho, verdinho. As ondas se derretiam dengosas, em espumas borbulhantes, fazendo charme para o rei.

Ele deu um mergulho refrescante e em seguida estirou-se na areia escaldante. Só faltava um amor ao seu lado, a fim de completar a sua felicidade.

Assim, o dia foi transcorrendo calmamente.

Como ele morava um pouco longe, resolveu ir embora mais cedo.

Caminhava por uma das ruas de Icaraí, quando avistou um aglomerado de pessoas e animais em uma escola pública. Estranhou, e se aproximou com grande curiosidade. Ficou sabendo que se tratava de uma campanha contra a raiva animal. As pessoas levaram seus animais de estimação para serem vacinados.

Deu meia volta para continuar sua caminhada, quando seus olhos deram com os olhos dela. Ele ficou estático. O seu coração ficou aos pulos. Rapidamente fechou a boca, com medo que ele saísse.

Ela era linda, toda penteada, perfumada, boas maneiras, deveria ser de família tradicional. Com toda certeza morava em uma casa de luxo.

Ele, pelo contrário, era pobre e morava longe.

No entanto o amor está acima de todos os preconceitos e dificuldades.

Quando os olhares se encontraram, o corpo dela estremeceu todo, como se tivesse recebido um choque elétrico.

Ele observou que alguém a chamava de Fofa. Deveria ser seu apelido, pois ela certamente tinha nome e sobrenome importantes. Talvez, Fernanda Rockfeller ou Frida Rotchchild, enquanto ele não sabia nem seu nome, que falar sobrenome, já que foi abandonado na rua pelos seus pais. Ele atendia pelo apelido de Zé, simplesmente Zé.

Seguiu o grupo que estava junto à sua amada. Quando eles entraram em uma mansão, ele ficou, através das grades, admirando a sua musa, que andava e se virava para olhar o seu amor.

De repente, alguém abre o portão e o repreende.

– Sai pra lá, vê se você vai embora. Não está vendo que ela não é pro seu bico. Fechando o portão, levou-a consigo para o interior da casa.

Sentado no meio-fio. Ele ficou, já que estava acostumado a roer os ossos da vida. No interior da casa, ela que só comia filé mignon, ficou triste. Ambos chorando, em nome do amor.

Eu tinha tirado carteira de motorista há pouco tempo. Seguia tranquilo com o meu fusquinha.

Inesperadamente, ele se levantou do meio-fio, caminhou decididamente e entrou na frente do meu carro. Não deu para frear. Lembro-me de um brilho estranho em seus olhos, momentos antes do baque.

Fiquei nervoso, não parei. Pelo retrovisor vi a cena: no asfalto quente, jazia o corpo dilacerado de um cão apaixonado.

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