No final dos anos sessenta, início dos anos setenta, meu amigo Antonio, brasileiro, solteiro, bancário, filho de uma família humilde, conseguiu com muito esforço adquirir um Fusca 62, seu grande “herói”.
Todo dinheiro que meu amigo recebia era devorado pelo Francisquinho, seu carro, paixão maior da sua vida.
Olha, gente, o “Francisquinho” estava lindo de morrer: volante de fórmula, roda de magnésio, saída kadron (tromba), farol de milha, toca-fitas de bandeja e outras “cositas” mais.
O Toni – sim, porque meu amigo depois do “Francisquinho” passou a se chamar com o novo nome, que ele dizia combinar melhor com sua personalidade – usava um topete, calça Lee, blusão de couro. Roupas sempre combinando com a cor do seu carro. Era uma dupla inseparável: Toni e “Francisquinho”, nos bailes da vida.
Certa Noite de domingo, Toni resolveu ir a um baile no Tamoio. O conjunto que se apresentava na ocasião era o The Fevers. Havia muita gente no baile.
Na saída do baile, já nas primeiras horas da madrugada, Toni se dirigiu para o seu carro acompanhado por uma garota papo firme, que ele tinha conquistado no baile.
Toni entrou no “Francisquinho” com a “mina” e rumou para o Paraíso. A “gatinha” então disse que ele estava indo para o lugar errado, pois ela morava do outro lado. Toni respondeu:
– “Garota”, não tem importância, eu vou até ali e volto, só assim você vai ver como é gostoso o barulho da “tromba” do “Francisquinho”, quando eu faço uma “reduzida” de marcha.
No silêncio da madrugada, na reta do Paraíso, era como se “Francisquinho” estivesse “estrupando” à noite com seu barulho rouco.
Toni era uma felicidade incontida. A “garota papo firme” se pendurou no pescoço do Toni, com os olhos brilhando. Já estavam em frente à Faculdade de Formação de Professores, na Parada 40.
Na segunda-feira, na enfermaria de homens daquele Pronto Socorro, visito o meu amigo, em cuja cabeceira da cama estava escrito: Antonio, braço quebrado, perna também, uma costela idem. Meu amigo chorava. Não de dor, mas porque teria que vender o “Francisquinho” a um ferro-velho, pois ele tinha “acabado” como carro, ficaria somente a lembrança.
A “mina” nada sofreu além do susto.
Meu amigo, Antonio – sim, ele voltou a ser Antonio – contou-me, que o poste atropelou o seu “Francisquinho” na rua – Poste assassino! – bradou.
Perguntei ao médico se o meu amigo tinha sofrido alguma pancada na cabeça, ele disse que não, meu amigo estava totalmente lúcido.
Pensei com os meus botões: – Poste criminoso? Eu é que devo estar louco.
No final dos anos oitenta, início dos anos noventa, li em um jornal, que estavam abertas inscrições pra um Concurso de Poesias na Faculdade de Formação de Professores, resolvi participar.
No dia da final, lá estava eu entre os dez finalistas, com a poesia Mestres e Discípulos que contava a saga dos professores e crianças, ambas abandonadas pelas autoridades.
Embora muita gente tenha gostado da minha poesia, os juízes não participaram da mesma opinião.
Naquela sexta-feira eu descia as escadas da Faculdade para alcançar a rua. Sentia-me como se houvesse sido roubado. Olho a hora no relógio do meu pulso, meia-noite. Lembro que era dia 13. Nisso ouço vozes que vêem da rua:
– Você nunca mais atropelou ninguém.
– Eu já estou velho, agora só sirvo para ser mictório de cachorro.
– Você lembra-se do último?
– Sim, foi há vinte anos. Aquele fusquinha, que nos acordou de madrugada com “voz de trovão”.
– Agora eu me recordo, você foi buscá-lo no meio da rua.
– Eu era jovem, cheio de vigor físico.
Chego à rua, olho não vejo nada além de dois postes, banhados pelo tempo. Meu pensamento volta vinte anos no espaço. Meu amigo Toni tinha razão. – Poste assassino!
No céu, uma Lua Cheia a sorrir para mim.
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