O bairro de Neves ficou “parado no tempo”, ou melhor, regrediu. Senão vejamos: há uns 35 anos, existiam dois cinemas que proporcionavam a alegria para a garotada nas tardes de domingo. As aventuras de Flash Gordon, Jim das Selvas, Tarzan e outros eram divididas em partes que passavam sempre aos domingos. Após a sessão eu tomava um caldo de cana e comia um pastel, pegava o bonde e voltava para casa todo feliz, já pensando no próximo domingo. O que iria acontecer com o herói da série?
Nas tardes de sábado tinha jogo no “Metal”. Hoje não existe mais o campo de futebol.
A única coisa que ainda se mantém em Neves é a feira livre aos domingos pela manhã.
Há alguns anos passados, no tempo bom, havia em Neves um armarinho, no qual se encontrava tudo: cueca samba canção, ceroula de bolinhas, calcinha lilás, fita roxa, camisa volta ao mundo, blusa de baloon, pregador de gravata, sandália havaiana etc.
O dono da lojinha atendia pelo apelido de Jorginho. Sim, apelido, pois seu nome de batismo era Miguel. Ninguém sabia o porquê do inusitado. Agora, cá prá nós, ele tinha mais cara de Jorginho do que de Miguel.
Trabalhava na loja um adolescente chamado Aires. Como todo jovem, ele se considerava a pessoa mais inteligente do mundo. Com ele nada podia acontecer. Ele se achava o dono da “cocada preta”. Ouvir a sabedoria dos mais velhos não fazia a sua cabeça. Ele dizia que velho era trapo. Deveria ser aposentado a um canto qualquer da vida.
Certa feita Jorginho chamou o Aires: – Menino pega este cheque e vai lá ao Banco do Brasil sacar para mim. Porém tenha cuidado, pois o valor é expressivo.
Cabe aqui um reparo, naquela época ainda existia Agência do Banco do Brasil em Neves, hoje não tem mais. Pobre Neves!
Mais tarde, naquele mesmo dia:
– Sr. Jorginho, cheguei. Tudo quase resolvido.
Todo feliz da vida, o Aires mostrou um papel ao dono da loja.
– Aires, isso é um bilhete da loteria!
– Sim, porém premiado!
– Eu quero é o dinheiro!
– Eu comprei este bilhete premiado, basta nós irmos a loteria receber. Eu dou o dinheiro do senhor e fico com o lucro para mim.
Já percebendo tudo, Jorginho assim falou:
– Ô rapaz, não vê que passaram um conto do vigário em você?
– Não, eu vi na lista de bilhetes que este estava premiado. Vamos à loteria receber. O velhinho que me vendeu era honesto, embora tivesse cara de bobo.
Jorginho teve que aumentar o preço das mercadorias da loja para tirar o prejuízo.
Aires, o “vivaldino”, até hoje não aceita que tenha feito papel de otário.
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