Acordo em um domingo de março de 1997. Aliás, eu passei a noite de sábado contando as horas, os minutos, os segundos. A expectativa daquele reencontro era muito grande.
Após o meu tradicional café das manhãs de todos os domingos, com aquele omelete acebolada, hábito este adquirido com meu falecido pai, que Deus o tenha – à ele eu também agradeço a paixão que tenho por algo muito especial – folheei o jornal de domingo, sem prestar muita atenção, já que minha cabeça voava sem parar. Não deu nem pra dar uma paradinha em Itaparica para ler a coluna do João Ubaldo.
O velho relógio cuco, herança do meu avô, que eu chamo de operário brasileiro, já que só vai parar de trabalhar quando morrer, anuncia 14:30 horas.
Adentro no “Trovão Azul“, apelido dado ao meu velho Chevette ano 1982 – É bom lembrar que eu sou funcionário público estadual e estou há dois longos anos sem nenhum aumento – partindo em busca da emoção.
Meu filho Marcão, o maior baterista de São Gonçalo – pelo menos no tamanho, já que ele tem 1,92m de altura – me acompanha, por exigência da mãe, para que verifique a todo o momento o ritmo e a quantidade de batidas do meu velho coração.
Ligo o rádio do carro. Procuro e não consigo localizar a “Turma do Bate-Papo” na rádio Mauá, o primeiro programa de esporte que eu ouvi.
Procuro então a “Que Está em Toda“: nada.
A gaitinha do Ary sumiu.
A voz do Antônio Cordeiro, cadê?
O jeito é deixar em uma música, o cantor solta a sua voz: “Eu voltei, aqui é meu lugar”. Já estamos entrando no túnel Rebouças, e naquela penumbra, vem à minha cabeça a imagem daquele pai, de macacão, de mãos dadas com aquele menino todo feliz, envergando um uniforme mágico. Em uma das mãos a bandeira gloriosa, que já vinha tremulando no bonde de São Januário, o “Bonde da Alegria”.
Chegamos no apartamento do meu amigo Dr. Raimundo, que nos recebe com a alegria costumeira. Vejo, da janela da sua casa, o sol se banhar nas águas da Lagoa Rodrigo de Freitas. O Cristo Redentor aprecia a sua obra prima e zela pela sua cidade preferida.
O meu amigo coloca um CD do Ray Charles no aparelho de som e aquela voz maravilhosa se faz ouvir. Nos serve uma dose de whisky da melhor qualidade, que nos acalma e prepara para novas emoções.
Às 15 horas, saímos no carro do meu amigo, seguindo pela Fonte da Saudade, Túnel Rebouças, Linha Vermelha.
Estamos no Campo de São Cristóvão.
O triângulo grita, a sanfona geme, a zabumba soluça a saudade dos irmãos nordestinos. No ar um cheiro de churrasco de carne de sol.
Vislumbro uma nuvem sobre a Feira, em seu inteiro o velho “Lua” e sua sanfona branca, conversando animadamente com o “Padinho Ciço”.
Estamos chegando ao nosso destino. Crianças aprendizes, seguram uns velhos trapos:
– Aqui!
Mulheres:
– Deixa ali.
Chefes de famílias desempregados:
– Por aqui, patrão.
Velhos abandonados pela sociedade:
– Filho, vem para cá.
Sim, todos na mesma profissão: flanelinha. Local de trabalho: ruas da vida. Até quando, meu Deus?
Após uma volta completa, chegamos ao portão de acesso. Cumprimentamos o porteiro, entramos em nossa casa: o estádio de São Januário.
“Que espetáculo! Como ela está linda!” – o menino de outrora, o homem de hoje, fica encantado, sonha.
Vê nas águas tranquilas da piscina olímpica a Caravela a exibir a cruz de Cristo.
No último “lance das sociais”: Ademir bate um papo animado com Lelé – aquele da música “é só dizer que é amigo do Lelé” – e bebia-se e comia-se de graça. Mais adiante Silvio Parode, Fausto, Danilo,Chico, Denner, Almir e Sabará. Todos meus ídolos numa conversa alegre. Antes da era Pelé, toda criança negra recebia o apelido de Sabará.
Ouve o som que vem do talo de mamão do Ramalho.
No camarote do meu amigo, conheço grandes vascaínos: o Ruy Proença, grande benemérito. O Marinho da Luzimar.
Vejo o trabalho incansável da Dona Marlene na secretaria. A tranquilidade do presidente Calçada. A agitação do torcedor Eurico da Gama.
O jogo vai começar. Mas para que jogo? São Januário já é uma festa completa, a torcida agita as bandeiras, são meus irmãos vascaínos.
Lady Rosalina comandava o coral “Vascôôô, Vascôôô”. Que bela sinfonia.
De repente, minha atenção se volta para a Tribuna, lá está o menino Dinamite, sempre com um sorriso de brilho intenso, envergando o uniforme da humildade.
O nosso Vasco, que nasceu no dia 21 de agosto de 1898, já veio ao mundo com Saúde, aliás bairro em que surgiu para a glória do esporte mundial.
Devagar, devagarinho como diz o Martinho, o meu coração e de milhares de pessoas se deixou apaixonar por ele.
Por fim, vou a capela de Nossa Senhora das Vitórias, rezar e agradecer a Deus por pertencer àquela família.
Já dentro do carro do meu amigo, penso:
“Casá, casá,
Casá, casá. Casaca
A turma é boa
É mesmo da fuzarca”
E o meu coração explode:
VASCO, VASCO!!!
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