Volto a falar do passado. Do tempo em que eu trabalhava em uma agência bancária no bairro de Neves.
Lá se vão uns quarenta anos mais ou menos. Época boa. Bancário era mais respeitado. O nosso sindicato tinha mais força. Banqueiro não possuía a moleza do PROER, então eles administravam com mais cuidado e com mais consideração aos seus empregados.
Nós éramos uma grande família, os problemas da semana terminavam sempre nas noites de sexta-feira.
Saíamos da agência e íamos para o botequim do Sr. Pereira. Aquele “Pé Sujo” tradicional, que existia em todos os bairros do nosso São Gonçalo.
Nem de leve suas instalações se pareciam com os “McPato’s” da vida, que atualmente abundam por aí: limpos, organizados, certinhos… No entanto, sem alma.
Aquele chão encardido, as velhas mesas de madeira, as toalhas de plástico, o balcão de mármore, a garrafa de cachaça com pau pereira na prateleira. O ovo cozido, a linguiça gordurosa, o pernil de porco, moradores permanentes da vitrine, à mostra para os fregueses.
Porém, no ar, um clima de liberdade: branco, preto, azul, amarelo, um arco-íris. Ricos, pobres, classe média… Sim, porque naquela época existia, hoje eles… acabaram com ela. Operários, intelectuais, bebuns de todos os calibres. Uma convivência alegre e feliz, sob o calor da verdadeira democracia. Viva o “Pé Sujo”, instituição nacional.
Mais uma vez reunidos: Picolé, Mineiro, Paíco, Valito, Chicão, Ozenan e eu. E tome de “papo mentiroso” e tome de “jogar conversa fora”.
Futebol era um dos assuntos “tocados”. Grandes times: Bangu, América. Não ria, amigo! Bangu de Parada, Ubirajara, Paulo Borges, campeão de l966, um senhor time! América de Orlando Lelé, Bráulio, Flecha, outro grande time. O meu Vasco também, Botafogo, Fla e Flu, os times possuiam excelentes jogadores. Dava-se ao luxo de termos em atividade um Djalma Dias, Ademir da Guia, Dirceu Lopes, astros da pelota que não tinham vaga na seleção. Hoje seriam super estrelas. Comparando com a seleção de l994, é que vemos como o futebol brasileiro caiu de qualidade.
O sr. Pereira possuía duas filhas que o ajudavam no atendimento aos fregueses. Meninas lindas e simpáticas.
Já tinha saído a primeira rodada de cerveja Black Príncipe e uns tremoços, quando entrou no recinto o gerente da agência, que, por possuir uma vasta careca, nós o chamávamos, a “boca miúda”, de “Zulú“.
“Zulú” não era habitué no “pedaço”, porém foi bem recebido. Sentou-se, com sua tristeza aparente, apoderou-se de um copo e deixou “cair”.
As filhas do Sr. Pereira não paravam. Agora era uma porção de carne seca, que cozinhada no feijão era servida com rodelas de cebola roxa e umas fatias de pão. Logo vinham as legítimas “Boêmias”, made in Petrópolis, “transpirando alegria”.
Mais tarde, um caldinho de feijão, para rebater.
Foi nesta hora que “Zulú” resolveu “abrir o jogo” e “botar para fora” toda a mágoa contida no peito:
– Deu ladrão na minha casa.
Todos ficaram com pena, rodearam “Zulú” e começaram a questionar:
– Como foi?
– Ele entrou encapuzado, apontando uma arma para mim.
Picolé perguntou:
– Levou dinheiro?
– Não.
Valito indagou:
– Pediu as jóias?
– Não.
Mineiro: roubou seu carro?
– Não.
Chicão, impaciente:
– Afinal, o que foi que ele levou?
– Minha mulher!
Espanto geral.
– Quando o ladrão foi guardar o revólver, deixou cair sua carteira de identidade.
Qual é o nome desse larápio? Perguntaram todos ao mesmo tempo.
Deixando rolar uma lágrima fortuita, “Zulú”, respondeu:
– Margot.
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