Mais uma história do fundo do baú.
Seu nome era João José, porém era mais conhecido pelo apelido de “Jão-Jão”, trocador de ônibus, por profissão e vocação.
Todos os dias ele se postava diante do espelho, verificando todos os detalhes da sua indumentária para o show do dia a dia. Sim, porque meu amigo era um verdadeiro showman no seu palco particular (ônibus).
Cabelo emplastado de brilhantina (ele ainda usa Glostora), óculos de grau (devido a uma miopia que o obrigava a usar lentes “fundo de garrafa”), lenço encardido no pescoço (lenço esse que já foi branco um dia), calça e camisa nas cores tradicionais dos rodoviários. Nos pés, uma meia branca com um furo no dedão (por excesso de uso) e seu orgulho maior, brilhando muito, lá estava o Vulcabrás preto, um luxo só.
“Jão-Jão” era um típico brasileiro: pensava que só ele era esperto e os demais são otários. No entanto, ele era mais uma vítima da sociedade desigual em que nós vivemos, o “salve-se quem puder”. A bondade e a inocência daquela alma ficavam obscurecidas pela guerra da sobrevivência.
Vamos encontrar o nosso amigo no seu local de trabalho, um ônibus que faz a linha de São Gonçalo à Niterói.
-“Abracadabra”!
A porta do coletivo se abria no ponto de ônibus.
– Dinheiro na mão, troco não!
Era assim que ele recebia os passageiros.
– Vamos andando, que vai chover!
Empurrava as pessoas para passar na roleta.
-“Fecha-te, Sésamo”!
A porta do coletivo era fechada e o motorista dava a partida em direção ao outro ponto.
Como é sabido, o preço da passagem de Niterói até São Gonçalo custava R$ 0,48. Meu amigo “Jão-Jão” nunca dava o troco de R$ 0,02, embora quase sempre tivesse dinheiro trocado. Quando algum passageiro ficava parado na roleta esperando o troco com a mão estendida, ele falava alto:
– O senhor está querendo alguma esmola? Se o passageiro, mesmo assim, ficasse esperando, ele então falava mais alto ainda:
– Atenção, companheiros!
Falava já aos berros. Todos olham em sua direção. Então ele dá o golpe de misericórdia no “infeliz” passageiro.
– Eu não acredito que o senhor seja tão miserável, ao ponto de criar caso com este pobre trabalhador brasileiro, por causa de R$ 0,02.
Envergonhado, o passageiro pedia desculpas e ia embora.
“Jão-Jão” sorria e pensava:
– São todos uns otários…
A viagem continuou. O ônibus parou em frente ao Carrefour. Uma velhinha, com sua sombrinha de cabo de madeira (mais velha que a dona), subiu. Ela carregava também uma sacola de compras, pouca compra.
Quando “Jão-Jão” se negou a dar o troco de R$ 0,02, a velha senhora não conversou, tacou a sombrinha, com força, na sua cabeça, dizendo irritada:
– O senhor está pensado o quê?
– Eu sou aposentada, qualquer R$ 0,02 faz falta pra mim.
“Jão-Jão”, o “esperto”, que queria ficar com os R$ 0,02 da velhinha “otária”, ficou com dez pontos na testa.
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