Ela nasceu numa família pobre, em uma cidade do interior de Minas Gerais, família composta de vários membros. Eram dez irmãos.
Lá no interior, eles eram boias-frias.
Iludidos com a cidade grande, resolveram morar em uma favela na periferia do Rio de Janeiro. Assim, se fixaram em um barraco, miserável.
Triste sina de milhões de brasileiros. No interior, pelo menos comida não faltava: feijão, arroz, mandioca, fraternidade e segurança. Aqui: fome, sujeira, desigualdade e insegurança.
Seu nome de batismo era Maria José. Ela tinha uns 18 anos. Era a filha mais velha. Linda, com seus olhos azuis.
Trabalhou em diversos lugares: balconista de loja no Rodo de São Gonçalo (por sinal onde demorou mais tempo no emprego), garçonete de lanchonete, vendedora de carnê etc.
Ela só não queria trabalhar como empregada doméstica, porque maior que sua pobreza era o seu orgulho.
Minha amiga dizia às colegas que um dia ainda seria madame.
Depois de ficar um ano desempregada, a necessidade de ajudar a família falou mais alto.
Só assim, Maria José resolveu aceitar o emprego como acompanhante de um senhor idoso, meio adoentado.
Ele era rico, bom para ela.
Com o passar do tempo a amizade entre os dois foi aumentando.
Para surpresa dela, o velho senhor a pediu em casamento.
Antes que ela dissesse não, ele continuou a falar, explicando que não tinha herdeiros, e já estava morrendo, por isso gostaria de deixar tudo para ela.
O casamento foi realizado uma semana depois. Foram para São Lourenço passar a Lua de Mel.
As águas de lá são realmente milagrosas, pois no regresso do casal o marido parecia outro homem, tinha rejuvenescido alguns anos, era outra pessoa.
Ele ficou tão alegre que resolveu dar um carro importado para a madame “Mary Jô”. Sim, porque era assim que ela determinara aos serviçais da casa e ao próprio marido que a chamassem.
Em uma tarde de sábado, minha amiga resolveu esnobar as antigas colegas balconistas. Pegou seu carrão novo e foi ao seu antigo emprego na farmácia do Rodo de São Gonçalo. Ela andava bem devagarzinho, mostrando o seu automóvel. Os motoristas dos veículos que vinham atrás estavam indo à loucura. Ela nem ai. Buzinava para todas as lojas, mostrando que tinha realmente virado Madame.
Por entre os carros, vinha apressado o meu amigo Andrezinho, grande passista da nossa Viradouro, ele estava em uma bicicleta efetuando entrega de pizzas. Feliz, ele assoviava um samba em homenagem à Escola, cuja letra era de minha autoria.
De repente. o carro importado para em frente à farmácia. A Madame abre a porta, ocupando o espaço entre a rua e o meio-fio.
Andrezinho não teve tempo de parar, a bicicleta bateu na porta do veículo, arrancando-a. A porta ficou na mão da Madame. A bicicleta continuou seu caminho. Como bom malabarista, ele rodopiou no ar e caiu sentado na bicicleta, seguindo feliz da vida, assoviando meu samba, sendo aplaudido pelos transeuntes e saudado pelas buzinas dos outros carros.
Sentada no meio-fio, Madame “Mary Jô” chorava e gritava como se fosse uma Maria José qualquer.
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