Brasileiro, o Esperto

por junho/2009Crônicas0 Comentários

Ele nasceu em Traz dos Montes, lá na Santa Terrinha. Veio criança para o Brasil. Como bom Patrício, trabalhou duro durante a vida toda e por fim conseguiu montar um Borracheiro, que era de onde retirava o sustento da sua família.

Borracharia

Foto: Junior Furlan

No seu estabelecimento, em posição de destaque na parede, lá estava a sua segunda paixão, um quadro do time do Vasco, o “Expresso da Vitória“, o timão de 1950. Com BarbosaAdemir e outros. Como diz o meu amigo Pereira:

– Basco é Basco!

Existe também na loja um calendário com fotos de mulheres lindas e despidas. Verdadeira alegria para os olhos dos fregueses, todos ou quase todos, já que tem gente que não gosta.

Para tristeza de meu amigo Pereira, o seu filho Raimundinho não lia na mesma cartilha do pai. Para começar, ele, só de pirraça com o pai, resolveu ser torcedor do Flamengo. Além disso, não queria nada com o estudo. Quando o seu pai falava alguma coisa, o filho dizia que o pai também não tinha nenhum estudo. Pereira então levou o menino para trabalhar com ele no estabelecimento, porém, logo, logo, se arrependeu amargamente da ideia, pois Raimundinho só sabia ficar admirando os pôsteres das mulheres nuas, quando não estava cochilando no banheiro. Se o Sr. Pereira chamava a sua atenção, o filho dizia que havia nascido cansado, já que o pai só sabia trabalhar.

– É seu fedelho, se eu não trabalhar duro como é que o gajo vai se alimentar?
– Pai, o senhor trabalha muito e ganha pouco.
– Isso é agora, por causa da tal globalização.
– O senhor tem que ser esperto.
– Que história é essa, a pessoa só ganha dinheiro trabalhando duro.
– Nada disso coroa, o senhor esquece que eu sou brasileiro.
– E daí ?
– Por isso sou “esperto“, o dia que eu tomar conta deste comércio vou ganhar uma grana preta, na maior.

Por ironia do destino, o Sr. Pereira precisou passar uma semana em Portugal, a fim de resolver umas questões familiares por lá. Ele chamou o Raimundinho e conversou demoradamente com ele e fez ver que aquele estabelecimento era tudo que a família tinha. Raimundinho disse que usaria a sua “esperteza“, que o seu pai não iria reconhecer a sua loja. O Sr. Pereira viajou pensativo, não sentia nenhuma firmeza no seu filho. Raimundinho, tão logo se viu dono da situação, pôs a sua malandragem para funcionar. A loja só vivia cheia, a grana estava entrando como nunca, tinha fila para consertar pneus, parecia até porta do INPS. Raimundinho ria à toa.

– Brasileiro é “esperto” mesmo.

No dia do retorno do seu pai, o Raimundinho, como fazia todas as manhãs antes de chegar à loja, um quilometro antes, espalhava uma grande quantidade de tachas e pregos na estrada.

Aquele caminhão corria, pois o motorista não queria perder a hora de ter acesso à Ponte Rio-Niterói. Nisso escutou um estouro. Era o pneu dianteiro, que fez com que ele perdesse o controle do veículo. O caminhão entrou direto na Borracharia, só deu tempo do Raimundinho “sartar de banda“. O caminhão “arrombou a festa”, perda total.

O Sr. Pereira chegava naquele momento e viu o estrago. Lá se foi o seu estabelecimento.

Na sua cachola uma frase, dita pelo seu filho, martelava com insistência:

– BRASILEIRO É ESPERTO!

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