Minha Mestra Inesquecível

por outubro/2015Crônicas0 Comentários

Ela nasceu Maria, filha de pai pescador e mãe doceira, irmã de nove outros brasileirinhos, em uma cidade do interior da Bahia (Caravelas), cidade que poderia ser o único porto marítimo do estado de Minas Gerais, porém, o estado da Bahia não quis abrir mão. É aquela história: “deixa apodrecer no pé, mas não dá o fruto para ninguém”, essa é a mentalidade dos governantes brasileiros. Resultado, o lugar continua parado no tempo.

Maçã professora

Nossa amiga, que possuía um tio padre e uma tia freira, conseguiu, através do seu tio, vir morar e estudar no Rio de Janeiro, ficando como interna num colégio de irmãs de caridade. Lá ela comeu o pão que o diabo amassou, às vezes o pão das meninas internas era tão duro, que era chamado de “o pão que o diabo engessou”. Ela lavava, limpava, cozinhava, às vezes ia à feira (sempre no final, pois o preço era mais barato). A qualidade não era importante, a quantidade sim.

Quando chegou ao curso normal, começou também a lecionar no colégio das irmãs de caridade. Para sua alegria, elas assinaram a carteira profissional da professora Maria, porém, como professor neste país tem que sofrer, colocaram na carteira como funcionária da secretaria. Resultado disso: há pouco tempo, quando ela quis se aposentar, os cinco anos que lecionou no colégio das irmãs não puderam ser considerados como professora pelo INSS.

Maria fez ingresso para ser professora do Estado, e foi dar aula à noite em Duque de Caxias, morando em Niterói, antes do advento da Ponte Rio-Niterói. Professor sofre.

Certa feita os professores fizeram uma paralisação em busca de uma melhor remuneração. E lá estava a professora Maria, conversando e orientando alguns meninos de rua, no Largo do Machado, local da concentração dos mestres.

Mestres e Discípulos: No Largo do Machado/entre os/perdidos e achados/os professores e os meninos/ambos abandonados. Triste sina/os extremos se tocam/não nasce a luz/já que por hora/foram expulsos da escola. O algoz/é o mesmo/para o professor/para o menino/sobra força/falta tino. País subdesenvolvido/país dos absurdos/onde/ser professor é crime/criança é escória/só recebem esmolas. Na praça/eles se encontram/no calor da luta/na fé mútua/na vontade/de um dia vencer. O professor/o menino/lágrimas se fundindo/E você…/sempre, sempre/se omitindo.

Graças a sua tia, ela começou a dar aula em um colégio particular na zona sul do Rio de Janeiro, e à tarde saia correndo e rumava direto para Caxias.

Depois de alguns anos, conseguiu ser transferida para Niterói.

Em seu coração residia uma grande tristeza, pois várias vezes tentou, por todos os meios, empregar os métodos usados na escola particular para melhorar o ensino público e não conseguiu. E pensar que o ensino público já foi melhor que o particular.

Após a sua aposentadoria na escola pública, ela se engajou nos Vicentinos, grupo de pessoas ligadas à Igreja Católica, que angariam recursos para distribuir cestas de alimentos aos mais necessitados. Ela sobe o morro, visita os casebres humildes, leva carinho e esperança às famílias. Organiza cursos de culinária, manicure, etc.

Sempre orientando, sempre ensinando, como uma professora ad eternum.

Minha mestra inesquecível, Maria Cleuza. Uma grande Maria desse imenso pequeno Brasil.

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