O Defunto

por novembro/2010Crônicas0 Comentários

Ele é um cidadão comum, classe média, profissional competente, excelente pai de família, com esposa e dois filhos.

Morador do Mutuá (São Gonçalo – RJ), o nosso amigo se chama Aderbal.

O Aderbal, ultimamente, vivia indo ao médico quase que semanalmente para tratar de doenças diversas: pressão alta, cirrose, insuficiência respiratória. Certa feita a sua pressão foi a 24 por 12. Ele quase teve um derrame cerebral. O médico proibiu, de imediato, que ele fumasse. Determinou também que parasse de beber “as geladas” de todos os dias. Aconselhou-o a fazer uma caminhada diária, de uma hora, pela manhã.

Aderbal achou aquilo tudo um exagero, nem “ligou”, continuou a fumar suas 3 carteiras diárias, aumentou a quantidade de “ampolas” de cervejas para comemorar que estava vivo e com saúde.

O único exercício que meu amigo fazia era de levantar da poltrona para mudar os canais da televisão.

Certa feita, no Rodo de São Gonçalo, vendo vitrines, meu amigo sentiu tonteiras, perdeu o equilíbrio, “viu” tudo escuro e caiu. Levado para o hospital, o médico diagnosticou labirintite. Mais uma doença para a “coleção” do Aderbal.

A vida do meu amigo não era fácil. Funcionário público, seu dinheiro mal dava para as despesas mensais: colégio particular para os dois filhos, pois, infelizmente, os colégios públicos, que outrora eram os de melhor ensino, foram se degradando por puro descaso das autoridades desse nosso país. Além disso, naquele ano os moradores de São Gonçalo, tiveram um aumento gigante do IPTU e a “aparição” de uma “assombração” chamada Taxa do Lixo. Para piorar a situação, meu amigo recebia seu salário sempre no meio do mês seguinte, o que ocasionava o pagamento de todas as suas despesas com juros.

Para aumentar o estresse do meu amigo, que é torcedor fanático, o futebol só trazia noticias que o abalavam muito. Seu Vasco, que nos campeonatos anteriores só lhe dava alegrias, no de 1995 era decepção e mais decepção. Perdeu vergonhosamente de 4 a 2 para o “famigerado” Flamengo e, não satisfeito, caiu de 5 a 0 para o “Curintias“, como chamam os torcedores paulistas.

cigarros

Foto: Very G

Certo dia, meu amigo ia para o trabalho, com a cabeça cheia de problemas, quando “caiu duro” na rua. Por uma dessas coincidências inexplicáveis, foi bem em frente ao cemitério. Como ele não respirava, foi levado direto para a capela.

Formou-se logo uma disputa entre os papa-defuntos, que brigavam pelo corpo do falecido. Após uma árdua disputa no jogo de palitinhos, que só foi decidida em uma melhor de três, um deles levou a “mercadoria”.

A família, avisada, compareceu à capela. Foi uma choradeira geral. O falecido não sabia que era tão querido por todos. Ele não conhecia a máxima “todo morto é um ser sem defeitos”.

Chamado ao local, o médico que cuidava do Aderbal, examinou-o cuidadosamente e depois de alguns momentos falou:

– Eu tenho uma boa notícia.

Os familiares, doidos para se verem livres daquela chateação, perguntaram:

– Já podemos enterrá-lo?

– Não, ele sofreu um ataque de catalepsia.

– Dr. Acabe logo com isso! Assine logo o atestado de óbito. Dizia impaciente o papa-defuntos responsável pelo serviço, doido para receber a grana.

O médico então voltou a falar:

– O Aderbal teve um ataque cataléptico. Ele está vivo!

A plateia decepcionada numa reação espontânea deu uma sonora vaia no médico, que havia estragado a festa.

Este sacudiu fortemente o Aderbal, que se levantou assustado de dentro do caixão.

O médico teve que sair correndo, pois todos queriam linchá-lo, principalmente o papa-defuntos.

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